sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Profissionais deslocados

Dentre as milhares de profissões que existem ao redor do mundo sempre encontramos aquelas que nos causam curiosidade. A falta de conhecimento e a raridade de determinados trabalhos causam tal sentimento. Sapateiros, carpideiras, detetives, comerciantes de do ramo de futebol de botão ou trabalhadores temporários em países da Europa, são um exemplo disso. 
 

Sherlock de Porto Alegre

Os mistérios na vida de Dossena começaram a aparecer no mesmo instante em que eu iniciei o trabalho de busca do entrevistado. Ao ligar para o seu escritório, ele aceitou conceder a entrevista, desde que pessoalmente, e para tanto pediu meu nome completo, telefone e de onde eu vinha.

Chegando ao seu local de trabalho, onde combinamos nos encontrar, uma câmera me filmava diante da porta de sua sala, em um prédio comercial no centro de Porto Alegre, chamando atenção naquele enorme corredor de portas simples. Fui recebida por um elegante senhor, bem aparentado, que ocupava uma sala que não negava a profissão: cinco telefones celulares, três telefones fixos, câmeras filmadoras e fotográficas, binóculo, lupa e as armas antigas que enfeitavam as paredes criavam a sala de um detetive que parecia sair de um filme.

Apenas os amigos conhecem sua verdadeira profissão. Para os demais, prefere dizer que trabalha com “eletrônicos”. Dossena, que não revela o seu primeiro nome, conta que o trabalho de investigação exige paciência. A pressa pode colocar em risco a seriedade do trabalho, e para conseguir o flagrante, devidamente fotografado ou filmado, pode ser preciso muitas tentativas frustradas.

O investigador lembra que os casos mais comuns são referentes a adultérios nos casamentos, mas existem muitos outros motivos que levam pessoas a procurarem seus serviços, como desconfiança que o filho usa drogas, que o sócio está roubando, de que algum familiar corre risco de sequestro, ou às vezes é pura curiosidade, como é o caso da sua cliente mais antiga. Ele não revela o nome, mas conta que a mulher paga por seus serviços há mais de dez anos pra investigar o seu marido, seu amante e eventualmente descobrir detalhes da vida de algum homem que lhe desperte interesse na rua. Apenas com o número da placa os trabalhos de investigação desvendam se o homem em questão é casado, a profissão e os lugares costuma frequentar. Aí fica fácil pra cliente encontrá-lo e começar uma relação "Ela é uma leoa, uma mulher moderna que gosta de aproveitar a vida" afirma Dossena.

O trabalho não é feito sozinho. O detetive de 58 anos conta com uma equipe de dois casais que trabalham como Freelancers, além dos diversos profissionais que trabalham em bancos, empresas telefônicas, polícia, que recebem um cachê para dar aquela ajudinha. O detetive não nega que para descobrir o que o cliente pede vale qualquer artifício: quebra de sigilo bancário, grampo de telefones, invasão em computadores pessoais através de hackers...Não existem vias impossíveis.

Apesar de parecer fácil, a vida de detetive não é para qualquer um. Na parede do escritório estão estampados os inúmeros cursos pelos quais passou Dossena, entre eles de grafoscopia, medicina forense, toxologia das drogas, defesa pessoal e curso de tiro, que o possibilita atualmente andar armado. Ainda assim, o profissional garante que não se sente ameaçado por trabalhar em meio a investigações.

Lamentavelmente, a tão romântica profissão de detetive, inspiradora das mais clássicas obras de literatura, está em decrescente. A grande culpada é a tecnologia. Com a expansão das redes sociais, já não é necessário ajuda profissional para descobrir certos detalhes da vida íntima de algumas pessoas. Além disso, objetos como câmeras escondidas, gravadores e micro-filmadoras podem ser compradas em qualquer lugar, permitindo que os mais valentes se arrisquem em investigações amadoras. E se a profissão está em declínio, assim também estão os preços. Hoje cobra-se menos que antigamente, mas ainda é um serviço que poucos podem se dar ao luxo de contratar. Uma investigação de adultério, considerada simples, que dure cerca de 15 dias pode valer de três a oito mil reais.

Sapateiro há meio século

– Tem troco pra R$50, seu Lauro?

Ele tem. O último sapateiro em atividade em Iraí – RS não deixa ninguém sem amparo. Mesmo que não seja exatamente o seu serviço, Lauro Krüger dá um jeito. Pouco antes da “ajudinha” com o troco, ele havia entregue um cartaz no qual pregou ilhoses para pendurar.

Lauro tem 63 anos, e há 50 dedica-se a calçar os pés dos outros. O homem simpático de fala fácil aprendeu o ofício com o pai quando tinha 13 anos. Naquela época todos faziam seus sapatos no sapateiro. Outros tempos. Quando começou havia cinco sapateiros na pequena cidade de oito mil habitantes. Cada pessoa tinha dois sapatos: um para trabalho e outro para a missa de domingo e o lazer.

– Hoje todo mundo compra calçado de material sintético. – Queixa-se, com razão.

Lá nada é sintético. O cheiro de couro e o rádio ligado dão um ar acolhedor e legítimo a velha sapataria. Mesmo com o predomínio de reparos, Lauro ainda faz muitas botas e chinelos campeiros de forma artesanal. Principalmente as botas gaudérias. Entretanto, quem vê o dedicado sapateiro cortando o couro não imagina o valor que seu ofício tem para certos clientes.

Lauro tem alguns pés grandes para calçar, que não encontram numeração no comércio. A poucos dias fez um sapato tamanho 48. Outros tantos têm uma perna mais curta que a outra, de nascença ou por acidente. Ele corrige o problema colocando um salto em um dos pés do sapato. Os ex-mancos ficam muito agradecidos com a ortopedia rudimentar.

– O Arlindo Schnell passou aqui e disse que não teve mais dor nas costas. A gente ajuda como pode.
Bota feita para Paulo Rippel

E como ajuda. Talvez o trabalho mais estranho do sapateiro seja também o de maior valor para o cliente. É uma bota de cano médio que leva uma estrutura de metal presa à sola e a uma braçadeira de couro pouco acima do cano. Essa estrutura garante que Paulo Rippel (o dono da bota), que sofreu paralisia, consiga firmar o pé.

Lauro não chegou a completar o primário. Partiu da infância para o ofício de família – o avô também era sapateiro. A bola de couro que hoje conserta, é motivo para relembrar da época em que jogava futebol.

– Jogava não, né. A gente trovava. Fazia que jogava.

Ele é também juíz de futebol. Apitava os jogos do Iraí e do Juventude – os times de futebol da cidade. Guarda velhas fotografias dos jogadores numa caixa de sapato, e tem outras tantas presas em murais. Lauro tenta manter a memória viva, mas lamenta a falta de apoio para preservar a história.

Já a sua é a lei que dificulta a preservação. Não é possível ter um jovem aprendiz como ele mesmo foi. A lei do aprendiz não tem o alcance que deveria ter e poucos ainda se interessam pela profissão. Lauro sabe que seu ofício está em extição, e o que reina hoje é a produção em massa das fábricas de calçados. Mas isso não o impede de seguir calçando àqueles que, por necessidade ou por opção, ainda recorrem ao sapateiro.

No vídeo, veja como era feito o chinelo “tacha virada”:




Lágrimas de crocodilo

Fonte: Blog Seu Paulo
A morte por natureza é inesperada. E mesmo que a dor da perda fosse vívida, no século XIX os funerais tinham por objetivo transparecer mais do que sofrimento, era necessário impressionar os parentes a fim de elevar a posição social do morto. Em devoção aos mortos, os egípcios erguiam túmulos imponentes. E, além das pirâmides, foram os pioneiros em contratar as herdeiras de uma arte milenar: as profissionais do choro. As chamadas carpideiras existem há mais de dois mil anos e os primeiros indícios da sua existência são encontrados na Bíblia.

A função que exerciam foi indispensável para tornar o velório num verdadeiro espetáculo. Quanto mais ricos fossem, mais a dor tinha que ser enfatizada. Então muitas mulheres viviam de cantar e chorar em enterros de desconhecidos. As carpideiras lamentavam por meio de reza e muita lágrima. Eram contratadas para que a dor que todos sentiam ficasse ainda mais intensa. Apesar dos registros serem históricos, ainda é possível encontrar essas mulheres nos países europeus e na América do Sul. Elas se dispõem a animar a cerimônia de enterro com seu trabalho. Por aproximadamente 200 reais, elas ainda atuam lacrimejando pelo defunto alheio.

No Brasil, as carpideiras existiram principalmente no Nordeste e em Minas Gerais. Foram trazidas da Europa pelos portugueses. Embora a profissão seja considerada extinta, ainda existem senhoras que se oferecem para chorar em velórios em algumas localidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará. Itamar Rocha da Silva, conhecida como Itha Rocha, vem de uma família especialista em lamúrias. Para ela, chorar é absolutamente natural: “As carpideiras choram de verdade, não interessa se é da família da gente, amigo ou o quê. O que interessa é o gesto de demonstrar laços como se fôssemos parentes do morto”. Moradora de Cidade Tiradentes, em São Paulo, Itha foi chorar “de graça” no velório de Clodovil Hernandes. Chorou em diversos enterros a ponto de torná-la conhecida nacionalmente. Hoje a carpideira conta com uma assessora de imprensa que auxilia nos trabalhos que exerce, porque, além da profissão, paradoxalmente ficou conhecida como “Rainha dos Garis” depois de desfilar nas escolas de samba junto com os garis, em São Paulo.

As carpideiras desde o início contam com flautistas que as acompanham durante as cerimônias fúnebres. O fato de serem choradeiras não quer dizer que são pessoas tristes. Para elas o choro não é um esforço, consiste em abrandar a alma do morto para o outro mundo. “Para nós, a morte é uma passagem. E para que essa passagem seja feita de forma tranqüila, bonita, é necessário alguém chorar”, conta Itha. Mas para a paulista é importante viver bem. A dor da morte é igual, independente de classe social. Ela conta que se precisar desse trabalho estará à disposição, mas reforça o interesse pelo samba. No final do desfile Itha vai usar o salto mais alto de todos, assim como no fim da vida “o importante é encerrar com chave de ouro”. O desafio agora é preparar a sobrinha para a tradição nãose perder. As histórias e a rotinaque envolve o trabalhode Itha ela já sabe, agora com seus 13 anos só falta colocar em prática.

Mimo e seus 11 botões

Para muitos, o futebol de botão não passa de uma brincadeira. Não para a família Romano. Domênico, ou simplesmente “Seu Mimo”, como é conhecido, inaugurou o bazar localizado na rua Fernando Machado, no centro de Porto Alegre em 1980. No início tratava-se de uma loja que vendia ítens variados. Como gostava muito de futebol de mesa, o empresário começou a disponibilizar ítens do esporte no bazar. E, para sua surpresa, os botões se tornaram o “carro-chefe” da loja.

Fachada do bazar do Seu Mimo, no centro de Porto Alegr.

Domênico Marrone Romano, filho do Seu Mimo, segue os passos do pai, e junto com o irmão, Alberto Romano, ajuda no negócio. Aos 31 anos, ele revela que começou desde cedo a se interessar pelo jogo, e por consequência, pelo negocio. Domênico Marrone define os profissionais da área como empresários do ramo esportivo, que souberam aproveitar um nicho de mercado bastante específico. Ele compara a loja com outras de público específico, como as que trabalham com artigos de tênis, golfe, etc. O empresário desconhece outras lojas semelhantes na capital gaúcha, mas lembra de concorrentes em outros estados.

No piso superior, os botonistas alugam mesas para jogar.

Para os Romano, a atividade alia trabalho e lazer, embora revele que a demanda, muitas vezes, impede de praticar o hobbie: "eu gosto bastante, e vejo o pessoal jogando, mas não jogo porque não tenho tempo. No bazar, existe um piso superior onde ha três mesas para aluguel. As mesas são alugadas diariamente, sobretudo, por jogadores filiados a Federação Gaúcha de botonistas – como são chamados os praticantes. Hoje a federação conta com mais de 200 filiados, o que dá aos empresários a confiança de que o negocio tem futuro: "não há como prever, mas estamos tocando o negócio dele, e está indo bem, tem bastante procura, os ítens saem bastante", revela o filho do Seu Mimo.

Ouça a entrevista com o empresário Domênico Marrone Romano

Crescendo fora de casa

Para muitas pessoas o trabalho é o antônimo da diversão. Na maioria dos estabelecimentos encontramos profissionais frustrados com a rotina e cansados com o relacionamento entre alguns dos colegas. A monotonia é a principal reclamação daqueles que não estão satisfeitos, como explica Gabriel Marques, de 22 anos e estudante de Relações Internacionais: “Quando trabalhava como promotor de vendas eu tinha uma rotina completamente definida, nunca saia daquilo, foi quando pensei em parar com tudo e decidi viajar para fora”.

Muitos jovens que se aventuram a sair do país, em busca de novos desafios, se deparam com muitas dificuldades. A temperatura, o idioma e as diferenças culturais se tornam os maiores inimigos da adaptação dos viajantes. “Quando cheguei em Londres encarei graus abaixo de zero e comidas completamente diferentes, além do sotaque inglês que é muito difícil de entender em um primeiro momento”, afirma Gabriel. Cerca de duas semanas é o tempo necessário para a adaptação total e para encontrar um emprego. Não pense você que será um estagiário de vida fácil ou que conseguirá algo relacionado com sua área de interesse de uma hora para outra. O que os nossos amigos ingleses oferecem são vagas em empresas de limpeza, bares, casas de evento e diversos outras oportunidades não muito atraentes. “Nem mesmo essas vagas destinadas a estrangeiros são fáceis de conseguir, existem muitas pessoas interessadas”, diz Rafael Ribeiro, estudante de Informática.

Rafael morou durante oito meses na Inglaterra e trabalhou em diversos lugares nesse tempo. Empresa de mudança, teatro e pub’s são apenas alguns exemplos pelos quais ele passou. “Alguns dias chegava a dormir apenas 4 horas, folgas eram raras, mas o trabalho e o esforço são muito bem recompensados”, destaca. Essa longa jornada e os dias sem descanso valem muito à pena. A forte economia inglesa e o pagamento, feito por hora, dão ao trabalho um bom rendimento. “O que eu ganhava por semana era o salário de um mês de um trabalhador da mesma área no Brasil, é incomparável”, pontua Gabriel. Lavando pratos e a cozinha inteira de um famoso teatro de Londres, chamado Royal Albert Hall, ele conseguiu visitar nove países durante um ano de estadia, além disso pagava todas as suas despesas com celular, moradia, comida e transporte. Ainda sobrava uma considerável quantia para aproveitar as festas e fazer diversas compras. “Em um curto espaço de tempo consegui realizar muitas vontades, é muito legal ver que com todo seu trabalho você pode fazer aquilo que quiser”, comemora Gabriel.

E se você pensa que as vantagens em se aventurar longe da sua casa se limitam a compras, viagens e satisfação pessoal, se engana. O que é mais destacado pelos jovens que decidem viajar é a experiência que se adquire em conjunto com as novas amizades que são construídas. Aprender a se virar sozinho longe das asas dos pais e em um idioma completamente diferente tornam qualquer pessoa apta a encarar a vida no seu país de origem. “Depois de um tempo as responsabilidades que causavam arrepios no início já são motivo de felicidade, percebi o quanto é importante o planejamento e utilizo tudo aquilo que aprendi nesse tempo fora aqui em casa, inclusive tenho lavado mais louça”, brinca Gabriel. Parece que é unanimidade que as vantagens se sobrepõem ao cansaço e a pesada jornada de trabalho.


Laís Scortegagna, Horacio Guigou, Márcio Meneghini, Joana Peruzzo e Júlia Lang.

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