sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Eleição sobre rodas

Por Laís Scortegagna

Aconteceu em Ribeirão Preto, em Uberlândia, em Cabo de Santo Agostinho, aconteceu comigo. Segundo a Justiça Eleitoral, 169 mil eleitores com deficiência votariam dia três de outubro. Esse número se refere apenas aos eleitores com alguma deficiência que se recadastraram. Eu deveria constar nesta estatística. Mesmo assim, isto não foi o suficiente para evitar que a seção 29 da zona eleitoral 94 fosse instalada no segundo andar do colégio onde voto.

Inúmeros foram os casos. São Paulo, São Luís, Brasília, Aracajú, Hortolândia. Todas registraram ocorrências de dificuldades para votar, ou pior: o impedimento da votação. Foi o que aconteceu em Viamão e Esteio. Impedidos de votar, os cadeirantes foram “instruídos” a justificar o voto. E foi o que fizeram. Em outras cidades quem não aceitou foi carregado – na maioria, por outros eleitores e familiares – escada acima e abaixo para poder votar. E correndo riscos. Seria este o procedimento padrão? Impedir o direito e dever de exercer a cidadania?

A resposta é não. O direito ao voto é garantido pelo código eleitoral, que também garante, no artigo 234, que ninguém poderá impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio (que é um nome metido a besta para voto). O impedimento, perturbação ou obstrução do voto é ainda crime eleitoral. E a pena prevista é detenção por até seis meses e pagamento de multa. Isso significa que muitos mesários, presidentes de mesa e demais envolvidos nas tentativas de convencer os cidadãos a justificar o voto cometeram um crime. Não apenas eles mas também os que forçaram estas pessoas a serem carregadas até suas seções. É embaraçoso, não é?

O que deveria ter sido feito, estão? Exatamente o que foi feito em Manaus. A urna eletrônica foi desligada e conduzida até o térreo do prédio em que se localizava a seção eleitoral, onde a seção foi reaberta. O exemplo no Brasil, entretanto não partiu do presidente de mesa nem dos mesários. O Ministério Público e  o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas tiveram que intervir. O mesmo foi feito em Cabo Frio. 

Em Iraí, o TRE culpa o diretor do colégio Visconde de Taunay. O colégio culpa o mesário que recorre a um funcionário do TRE, que também culpa o colégio. E assim segue sem que ninguém assuma a responsabilidade que, na verdade, era do presidente de mesa. São feitas reuniões em todo o país para instruir os mesários para o dia da votação. Assim sendo, estes cidadãos deveriam saber que providências tomar. Mais que isso. Deveriam saber que o que fizeram nos quatro cantos do Brasil é crime. Crime sim. Como em Olinda, onde pelo menos cinco cadeirantes foram impedidos de votar.

Mas talvez o pior tenha sido a criação das chamadas seções especiais em algumas cidades. Nelas a votação ocorreu tranquilamente – para quem se recadastrou. As seções especiais e a necessidade de recadastramento serviram de desculpa para o não cumprimento do inciso 6.A do artigo 135 do código eleitoral. Que diz que “os Tribunais Regionais Eleitorais deverão, a cada eleição, expedir instruções aos Juízes Eleitorais, para orientá-los na escolha dos locais de votação de mais fácil acesso para o eleitor deficiente físico”.

Pior ainda algumas matérias que trataram situações como essa como "exemplos de cidadania". Essas situações não são exemplos de cidadania mas sim de três "DES": descaso, desrespeito e desorganização.

Mas não se trata apenas de pessoas com deficiência. A acessibilidade deveria ser um direito de todos. Ainda mais no exercício da cidadania. Na mesma seção que eu votava uma senhora idosa chegou com dificuldade respiratória. Muitos outros idosos e pessoas com algum outro problema de mobilidade ou de saúde sofreram com os degraus nessas eleições.

O voto é um direito e um dever de todos nós. Acesso sem constrangimentos não é pedir demais. Comuniquei a chefe do TRE da minha região sobre o caso, que me garantiu que o problema não se repetirá. Espero que nem aqui nem em nenhum lugar no Brasil.

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